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O tempo no Sátão

sábado, 15 de maio de 2010

Entrevista ao Comandante das Operações de Socorro Distrital de Viseu


Às portas do Verão, altura em que a atenção dos bombeiros e de outros agentes da protecção civil, se concentra na prevenção e combate dos fogos florestais, Viseu prepara-se para accionar o dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais do distrito, para 2010. Uma semana depois de ter sido apresentado, em Tondela, o comandante Distrital das Operações de Socorro de Viseu, César Fonseca conversa com o Jornal do Centro e com a Rádio Noar sobre esse mesmo dispositivo.

Este ano, de acordo com o que foi anunciado, o dispositivo de combate na época de incêndios para o distrito de Viseu, é praticamente o mesmo do ano passado. Isso quer dizer que foi atingido o dispositivo necessário?

O dispositivo garante resposta a situações que, ao longo destes últimos anos, têm acontecido. Esperemos que responda também este ano.

Estamos a falar de previsões?

Há sempre aqui a variação de quando é que ocorrem mais incêndios. Por exemplo, no ano passado, Fevereiro e Março, foi uma epoca muito afectada por incêndios florestais e o dispositivo respondeu, portanto, esperemos que este ano também responda, montado dessa maneira.

Qual é o essencial desse dispositivo?

Tem várias fases. Na Fase Bravo, quando começa a haver mais meios (15 de Maio a 30 de Junho), o dispositivo tem em meios humanos, 454 elementos, distribuídos por bombeiros, GNR, Forças Armadas, Autoridade Florestal Nacional, 108 meios terrestres, quatro meios aéreos (um helicóptero médio, dois aviões ligeiros e o helicóptero pesado Kamov permanente na base de Santa Comba Dão). Estão a funcionar nesta altura seis postos de vigia da rede primária. Na Fase Charlie (1 de Julho a 30 de Setembro), estes meios aumentam substancialmente, passa para 752 elementos, 161 meios técnicos e terrestres e meios aéreos há um aumento para dois helicópteros ligeiros, um médio, dois aviões ligeiros e o mesmo helicóptero pesado, o Kamov. A Fase Delta é idêntica à Fase Bravo, podendo ser alterada de acordo com as condições que se verificarem na altura.

A divisão por fases do dispositivo é feita em função das previsões do estado tempo?

Com o tempo e com o histórico.

A Fase Bravo que arranca este sábado, funciona essencialmente com o dispositivo dos quartéis?

Não, tem meios no terreno. O que existe nos quartéis não está contabilizado nestes números. Trata-se de um dispositivo especial criado para este efeito, afecto aos incêndios florestais, mantendo-se a possibilidade dos bombeiros ainda dispensarem mais meios.

Alguns especialistas têm alertado nos últimos dias para o perigo do Inverno chuvoso, que pode aumentar o risco de fogo nos meses de Verão. Para o leigo cidadão comum, isto pode até parecer contraditório. De onde vem esse risco de que se fala?

O facto de ter caído tanta água propicia o crescimento da vegetação. Ao crescer mais, quando secar, há muito mais combustível, o que nos vai complicar de certo modo a vida. Os caminhos ficam com mais mato, vai haver mais vegetação, a vegetação vai complicar os acessos…

Qual é expectativa do Verão que vem aí?

Não sei dizer. Agora, se chover durante o Verão vai ajudar o combate, mas se tivermos dois ou três meses sem chover, face ao que acabámos de falar pode ser, de certo modo, mais complicado, porque há muito combustível.

O professor Xavier Viegas, da Universidade de Coimbra alerta que estas chuvas podem levar os agricultores a retardarem a execução de queimadas agrárias. Essa é mais uma preocupação para os bombeiros?

Esses fenómenos já têm existido aos longos dos anos. Há um outro aspecto: os pastos estão agora verdes. Se houver uma maior quantidade de água, os pastos vão continuar verde durante mais tempo e resolve o problema dos agricultores.

Vai ser necessário reforçar a limpeza das bermas das estradas e em redor das casas, face ao crescimento anormal da vegetação?

Hoje em dia têm sido vistas equipas a fazer limpeza nas bermas das estradas. É evidente que continuando a chover e continuando as plantas a crescer não se vai notar esse trabalho, mas é certo que têm sido vistas as equipas florestais a fazer estes trabalhos.

Há uma legislação que obriga à existência da faixa de protecção junto às casas?

Exactamente. Junto às casas, o principal problema reside nas habitações que estão desabitadas, e que, em alguns sítios ficam com esse combustível fino que vai criar alguns problemas.

A ideia que se tem é que ninguém faz cumprir a legislação.

A legislação é cumprida dentro do possível. As pessoas são notificadas. O problema reside nas pessoas que não habitam as casas e, não habitando, há maior descuido e a vegetação cresce imenso como é o caso deste ano.

Detectar e chegar rapidamente à frente do fogo parece ser o segredo no combate ao fogo florestal, nos últimos anos. Tem-se atingido esse objectivo no distrito de Viseu?

Regra geral, tem. O fundamental reside no ataque inicial forte, musculado e atempado. Tem-se feito um grande esforço nesse sentido. A partir do momento em que há a detecção de um incêndio, o CDOS (Centro Distrital de Operações e Socorro) acciona logo todos os meios possíveis.

Quando diz regra geral significa que é necessário melhorar esta medida?

É sempre possível melhorar a rapidez do despacho dos meios, porque é fundamental, mas tem-se conseguido aqui no distrito. Dois minutos é o tempo para o despacho dos meios desde que sejam conhecida a ocorrência, portanto…

São fundamentais aqui os meios aéreos?

São fundamentais pela rapidez com que chegam ao local e pela facilidade com que atacam os incêndios.

Os corpos de bombeiros do distrito de Viseu estão hoje equipados para enfrentarem um Verão de mais ou menos incêndios?

Estão bem equipados (pensa), provavelmente haveria necessidade de começarem a renovar as suas frotas. Está-se numa fase de alguma renovação, mas espera-se que a curto prazo possa haver a renovação pretendida por todos os corpos de bombeiros.

Os meios existentes são suficientes?

Os meios são suficientes para se responder como se tem respondido ultimamente. Parece-me que tem havido uma grande capacidade de resposta, quer dos bombeiros quer dos GIPS (Grupos de Intervenção de Protecção e Socorro) da GNR, quer dos sapadores florestais, quer das forças armadas, quer da Afocelca, quer de outras entidades particulares que têm também ajudado na resposta. A resposta tem sido eficaz. Os problemas são normalmente os mesmos, não haverá muito mais a fazer.

Este ano, os bombeiros têm uma nova ajuda, que é a geo-referenciação. Quer explicar o sistema?

O sistema funciona como o GPS e permite localizar as viaturas. É um conjunto de equipamentos que estão, quer no CDOS, quer no CNOS (Comando Nacional de Operações de Socorro), quer nas centrais dos corpos de bombeiros e em cada uma das viaturas. Sabendo-se que uma determinada viatura está mais próxima do local onde existe um incêndio, é natural que melhore o combate, ao ser mais rápido.

Todos aderiram?

Foi uma candidatura feita pela Federação, à qual todos os corpos de bombeiros do distrito aderiram.

Vai estar disponível este ano?

Não lhe sei responder. Está em fase de implementação.

É também apontado como uma ajuda relevante no socorro a bombeiros.

Um dos aspectos importantes da geo-referenciação é precisamente o apoio à segurança. Saber-se que a viatura pode dar um alerta de perigo, fica-se a saber exactamente onde se encontra, o que permite que [os bombeiros] sejam ajudados o mais rápido possível.

Apesar de haver hoje um conjunto de entidades de apoio aos fogos florestais, concorda que a grande força no combate aos fogos florestais são os Corpos de Bombeiros Voluntários e o Municipal que existem no distrito?

Sim. A grande força no distrito são de facto os bombeiros; no entanto, há as equipas que se deslocam de helicóptero que, dada a velocidade dos meios, são uma tremenda ajuda.

Sente interligação entre entidades?

Há mais interligação. Hoje não há a questão: “o fogo é meu, o fogo é teu”. Hoje o que interessa é colocar no local do incêndio as equipas que estão mais próximas e é isso que se tem feito.

E o relacionamento?

Foram-se diluindo no tempo algumas questões e hoje há bom relacionamento. Qualquer problema tem sido atacado no momento.

O bombeiro voluntário não recebeu muito bem a medida que juntou a GNR, por exemplo, e os colocou lado a lado. Esse problema está ultrapassado?

Já houve quatro épocas de colaboração, não me parece que hoje ainda seja um problema.

O voluntariado, mesmo nos bombeiros, está cada vez mais à beira do fim?

Não acredito nisso, há montes de jovens a inscreverem-se nos bombeiros. O problema é que, no interior, havendo o problema do desemprego, também há dificuldade em recrutar voluntários. Se as pessoas não trabalham [na cidade ou vila], há dificuldade em, durante o período de trabalho, haver gente disponível para estar nos bombeiros.

Há zonas identificadas como mais difíceis de mobilizar bombeiros?

É temporário. Há a emigração sazonal nos concelhos do interior, mas tem-se sabido ultrapassar.

Qual é o balanço que faz da constituição das EIP (Equipas de Intervenção Permanentes), em que cinco elementos, pagos pelo Governo e pela câmara municipal, estão em permanência nos quartéis?

Havia a possibilidade de ter em 23 concelhos, porque Viseu tem Bombeiros Municipais e não precisa, estamos com 13 e há um grupo constituído em Vila Nova de Paiva fora das EIP. O balanço é positivo.

Sentiu maior eficácia?

Mais eficaz por diversas razões. Esse grupo, além de ser permanente, ainda tem formação específica em determinadas áreas, o que é uma mais valia.

Já se ouvem comentários de que, se não fossem as EIP, alguns quartéis do distrito estariam fechados durante o dia.

Não sei se isso é verdade. Mas esses grupos foram criados para responder precisamente a isso [não haver gente durante o dia].

É o caminho para assegurar o socorro em Portugal?

Serão os grupos permanentes. Tem que haver pessoas disponíveis para responder, não há outra hipótese.

Como comandante distrital das operações de socorro não trata nem acompanha só a problemática dos fogos florestais. Faz sentido haver estas duas estruturas, não centralizadas, INEM e Autoridade Nacional de Protecção Civil, no apoio ao socorro em Portugal?

Não estão separados, porque o INEM tem acordos com a maioria das associações de bombeiros para equipas permanentes e para postos de reserva.

Muitas vezes assistimos ao socorro feito pelo INEM sem que o CDOS saiba de nada. Não parece ser uma situação normal.

O próprio INEM evoluiu e tem meios próprios, hoje há um helicóptero do INEM a trabalhar em Viseu e, tendo meios próprios, não recorre aos corpos de bombeiros. Tendo esses meios activa-os em primeira instância.

Quando há dois meios em que um responde para o Ministério da Saúde e outro para a Autoridade Nacional de Protecção Civil, não pode originar descoordenação?

Não.

Voltando aos fogos florestais. Qual é a zona de maior risco no distrito de Viseu?

Todas as zonas onde há espaços florestais contínuos são de risco.

Mas está definida uma zona de maior risco?

Há zonas referenciadas. Cada concelho tem nos seus Planos Operacionais Municipais identificadas zonas de maior risco. Mas, às vezes, a zona de maior risco é onde é mais fácil combater.

Porquê?

Porque despoleta sempre mais meios. O próprio CDOS faz isso, se houver um determinado incêndio numa zona que se considera de maior risco, logo no início providencia mais meios.

A maioria dos fogos florestais tem mão criminosa ou descuido?

Descuido, é isso que está nas estatísticas.

Como tem acompanhado a instabilidade nos Bombeiros Voluntários de Viseu?

Preocupa-nos sempre qualquer instabilidade nos corpos de bombeiros. Mas os corpos de bombeiros pertencem todos a associações, a quem caberá gerir qualquer problema que surja. Acompanhamos com preocupação e gostaríamos que não existisse.
Fonte: Jornal do Centro

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